Uma tragédia que nos obriga a falar de Segurança do Paciente

Por Brunno Câmara - terça-feira, dezembro 16, 2025

Antes de continuar a leitura do texto, quero te convidar para conhecer meus cursos:

Continue agora com a sua leitura do texto. Espero que goste.


Em novembro deste ano, uma criança de seis anos morreu após receber, erroneamente, adrenalina por via intravenosa em um hospital de Manaus.

O caso teve repercussão nacional e trouxe à tona vários problemas. Eu como pai de três crianças fiquei indignado com o que aconteceu. Nem consigo imaginar o que esses pais estão passando.

A médica fez a prescrição errada, a farmácia dispensou o medicamento sem questionamento e a técnica de enfermagem administrou o medicamento cegamente.

"Mas, Brunno, por que você trouxe esse assunto? Eu trabalho em laboratório clínico, e nem hospitalar ele é."

Por que esse caso trágico pode nos ajudar a entender um tema crucial para qualquer serviço de saúde: a segurança do paciente.

Segurança do paciente

A segurança do paciente é a redução, a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário associado à atenção à saúde.

Sempre que um paciente vai a um laboratório, hospital etc., existem riscos inerentes à assistência. Sabendo disso, os serviços de saúde devem garantir que riscos e erros sejam minimizados o máximo possível.

No Brasil, o Programa Nacional de Segurança do Paciente e a RDC nº 36/2013 da Anvisa estabelecem ações para melhorar a qualidade e a segurança em todos os serviços de saúde. 

As principais estratégias incluem identificar corretamente os pacientes, garantir a higienização das mãos, assegurar a comunicação efetiva e envolver o paciente e seus familiares no próprio cuidado.

Segurança do paciente em laboratórios clínicos

No laboratório clínico, a segurança do paciente é aplicada para reduzir riscos, prevenir erros e garantir resultados confiáveis durante todas as etapas do processo laboratorial: pré-analítica, analítica e pós-analítica.

Por isso é essencial que os laboratórios tenham protocolos e normas relacionadas a essas ações de segurança.

A seguir trago algumas dicas de como vocês podem aplicar a segurança do paciente nas fases das análises clínicas.

Segurança do paciente na Fase pré-analítica

Sabemos que é nessa fase que a maior parte dos erros acontece. E ela deve receber atenção especial.

A seguir os pontos mais críticos que afetam esta etapa e o que fazer para garantir a segurança do paciente:

Identificação correta do paciente:

  • Uso de dois identificadores (nome completo + data de nascimento).
  • Conferência ativa (o paciente verbaliza).
  • Pulseiras padronizadas internamente.

Solicitação adequada e rastreável:

  • Prescrição eletrônica para reduzir ilegibilidade e trocas de exames.
  • Checagem de coerência entre pedido de exame e indicação clínica.

Coleta segura e padronizada

  • Protocolos de coleta bem estabelecidos (ordem, volume correto, tipo de tubo).
  • Treinamento periódico da equipe.
  • Prevenção de hemólise, coágulos, enchimento inadequado.

Transporte e conservação apropriados

  • Controle de temperatura, tempo de trânsito e agitação.
  • Uso de recipientes adequados e identificação de material biológico.

Segurança do paciente na Fase analítica

Na fase analítica, o essencial é garantir que o material biológico do paciente seja analisado de forma padronizada, segura, com precisão e exatidão, gerando o resultado certo.

Para isso é importante garantir que os sistemas analíticos estejam aptos a funcionar e realizar as análises. 

Isso inclui:

  • Fazer calibrações e manutenções periódicas;
  • Fazer o CIQ para todos os testes laboratoriais;
  • Participar de ensaio de proficiência (CEQ);
  • Ter um programa de gestão da qualidade;
  • Ter padronização técnica (POPs, ITs, validações etc.)
  • Ter programa de educação permanente.

Segurança do paciente na Fase pós-analítica

Mesmo que a coleta tenha sido bem feita e a análise da amostra tenha sido a melhor possível, não podemos afrouxar as rédeas na etapa final.

Um erro de digitação, uma máscara de laudo com escrita errada, um resultado crítico não informado, dentre outros, podem colocar a vida do paciente em risco.

Como garantir a segurança do paciente nesta fase:

  • Delta check para detectar resultados inesperados;
  • Laudos claros, padronizados e sem ambiguidades;
  • Notificação imediata de resultados críticos;
  • Garantia de integridade e confidencialidade dos dados;
  • Rastreabilidade completa da amostra até o laudo.

Um estudo de caso para exemplificar

Uma mulher de 56 anos, internada para investigação de anemia leve, realizou coleta de sangue para hemograma e eletrólitos. Durante a coleta no leito hospitalar, houve troca de etiquetas entre dois pacientes do mesmo quarto.

O resultado liberado indicava potássio sérico de 6,8 mmol/L, compatível com hipercalemia grave. Sem confirmação laboratorial adicional, a equipe médica iniciou imediatamente tratamento com insulina e glicose intravenosa.

Horas depois, a paciente apresentou hipoglicemia sintomática, com sudorese, confusão mental e queda do nível de consciência, necessitando atendimento emergencial.

Após revisão dos exames, identificou-se que o resultado de potássio elevado pertencia a outro paciente, portador de insuficiência renal crônica.

Dano ao paciente

  • Tratamento desnecessário
  • Evento adverso (hipoglicemia)
  • Prolongamento da internação

Falha de segurança

  • Identificação incorreta da amostra
  • Ausência de dupla checagem e de delta check
  • Liberação de resultado crítico sem confirmação

Como o dano poderia ter sido evitado

  • Uso de dois identificadores do paciente na coleta
  • Etiquetagem à beira-leito
  • Repetição/confirmação de resultados críticos
  • Comunicação estruturada entre laboratório e equipe assistencial

Brunno Câmara Autor

Brunno Câmara - Biomédico responsável técnico e gestor da qualidade no Laboratório Clínico do HC-UFG/Ebserh, CRBM-GO 5596, habilitado em patologia clínica e hematologia. Especialista em Hematologia e Hemoterapia pelo programa de Residência Multiprofissional do HC-UFG/Ebserh. Mestre em Biologia da Relação Parasito-Hospedeiro. Tutor da residência multiprofissional de Biomedicina do HC-UFG/Ebserh. Criador do blog Biomedicina Padrão.
| Contato: @biomedicinapadrao |