Como calcular seus próprios valores de referência de exames laboratoriais

Por Brunno Câmara - quinta-feira, maio 09, 2019

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As informações dos pacientes que são obtidas durante consultas e exames clínicos e laboratoriais devem sempre serem interpretadas por comparação com dados de referência.

Para isso ocorrer, principalmente com os exames laboratoriais, é preciso que existam valores de referência (intervalo de referência).
Um resultado de exame laboratorial não tem utilidade médica sem os dados de referência para comparação.

Por exemplo, eu te falo que o resultado de uma dosagem de creatinina foi de 1,5 mg/dL. Esse resultado está alterado ou normal? Sem informações como sexo, idade e metodologia utilizada, além do intervalo de referência, fica impossível interpretar de forma adequada.

No Brasil, não há uma legislação que obrigue o laboratório a estabelecer seus próprios valores. O que está definido, por exemplo pela RDC 302 da Anvisa, é que o laudo deve conter valor de referência, limitações técnicas e dados para interpretação.

Sabemos que para uma comparação assertiva, os valores de referência devem ser definidos pelo próprio laboratório. Porém, o que vemos em grande parte dos estabelecimentos é a utilização de valores genéricos, retirados de bulas de reagentes ou de dados obtidos da literatura.

Creio que essa prática ocorra devido a complexidade e o tempo demandado para a elaboração dos valores de referência, ou mesmo a falta de conhecimento de como isso deve ser feito. Mas isso não pode ser uma desculpa para não fazer, visto que decisões médicas são tomadas com base na comparação do resultado do paciente com o intervalo de valores de referência.

Seleção dos indivíduos de referência

Valores de referência baseados numa população são aqueles obtidos de um grupo de pessoas sistematicamente definido.

Uma lista de critérios de seleção determina quais pessoas devem ser incluídas no grupo de indivíduos de referência.

Para determinar os valores de referência de indivíduos saudáveis deve-se também determinar critérios de exclusão, como por exemplo:

  • Fatores de risco (obesidade, hipertensão, genéticos, ocupacionais etc.);
  • Uso de agentes farmacologicamente ativos (medicamentes, drogas de abuso, tabaco, álcool etc.);
  • Estados fisiológicos específicos (gravidez, estresse, exercício intenso etc.).
Por ser um processo de seleção não randômico, deve-se tomar cuidado com a interpretação dos dados devido ao viés introduzido.

Sexo e faixa etária são os dois critérios mais utilizados para a criação de subgrupos, visto que muitos analitos variam de acordo com esses parâmetros.

Quanto maior o número de indivíduos, mais confiável será o resultado, sendo recomendado no mínimo 100 amostras.

Coleta das amostras

A padronização da fase pré-analítica pode minimizar variações nos resultados.

Sendo assim, a coleta de sangue deve ser muito bem padronizada para evitar resultados que irão atrapalhar a fase analítica e as análises estatísticas.

Análise das amostras

São fatores importantes para definir os valores de referência:

  • Metodologia;
  • Equipamento utilizado;
  • Reagentes;
  • Calibradores;
  • Controle de qualidade.
Essas especificações devem ser descritas, para quando outro profissional avaliar tal analito seja possível reproduzir e comparar com os resultados dos pacientes com intervalo de referência.

Para assegurar que essEs resultados sejam comparáveis, a mesma metodologia deve ser utilizada.

Análises estatísticas

Após a análise laboratorial das amostras, é necessário realizar os resultados estatisticamente. Isso inclui:

  • Separação dos subgrupos (por exemplo, masculino/feminino);
  • Inspeção da distribuição de cada grupo;
  • Identificação de outliers;
  • Determinação dos limites de referência.

Estratificação do grupo

O objetivo é reduzir as variações que existem entre indivíduos, como por exemplo sexo, idade, período do ciclo menstrual etc.

Essa divisão em subgrupos nem sempre é necessária. Irá variar de acordo com o analito analisado.

Inspeção da distribuição

É necessário que haja uma distribuição homogênea. Para observar isso, é necessário construir um gráfico composto pela frequência dos resultados, conhecido como histograma, e então inspecioná-lo.

Existem muitos programas que podem fazer isso, como o SPSS da IBM ou até mesmo o Excel.

Pontos importantes que devem ser observados:

  • Desvios muito elevados (outliers) podem representar valores errados;
  • Distribuições bimodais ou polimodais possuem mais de um pico e podem indicar que a distribuição não é homogênea (rever critérios de seleção dos indivíduos ou a estratificação);
  • Às vezes a distribuição pode ser assimétrica (diferente da imagem abaixo);


Identificação de outliers

Outlier é um valor errôneo que desvia significativamente dos valores de referência.

Para detectá-lo, pode ser feita uma inspeção visual do histograma ou usar métodos estatísticos.

Nem sempre o outlier deve ser excluído. Na sua suspeita, é necessário checar possíveis erros e corrigi-los. Se não for corrigível, o valor deve ser rejeitado.

Determinação do intervalo de referência

O intervalo de referência pode ser definido de diferentes formas como:

  • Intervalo de tolerância;
  • Intervalo de predição;
  • Intervalo interpercentil.
O intervalo interpercentil é simples de estimar e é o mais recomendado. Ele pode ser determinado por métodos estatísticos paramétricos ou não paramétricos.

  • Paramétrico - usar quando a distribuição for gaussiana (igual às imagens deste post).
  • Não paramétrico - usar quando a distribuição não for gaussiana.
Métodos paramétricos são baseados nos parâmetros da população estudada, como média e desvio padrão (dp).

Por exemplo: eles são usados quando a distribuição é normal (gaussiana) e os limites de referência (percentis) são determinados como sendo os valores localizados -2dp e +2dp (dois desvios abaixo e acima da média).


Então, digamos que você analisou 100 amostras de sangue de pacientes saudáveis para determinar a concentração de ferro sérico.

Após as dosagens, você plota os valores das 100 análises no programa de estatística e seleciona para calcular a média e o desvio padrão.

Digamos que a média foi de 100 µg/dL e o desvio padrão foi de ± 20 µg/dL.

Então, temos que calcular quanto é -2dp e +2dp da média para conhecer quais são os valores do limite inferior e superior, respectivamente.

  • 2dp = dp * 2: 40 µg/dL
  • Limite inferior = média - 2dp: 60 µg/dL
  • Limite superior = média + 2dp: 140 µg/dL
Então, nesse exemplo hipotético, o valor de referência do ferro sérico seria de 60 - 140 µg/dL. Sendo assim, todos os valores dentro desse intervalo serão considerados "normais", levando em consideração informações como sexo, idade, metodologia etc.

Lembre-se de fazer isso para todos os subgrupos, caso necessário.

Referências

Burtis Burtis, Ted Burns. Tietz Fundamentals of Clinical Chemistry. Elsevier.

Ferreira, C. E. S. & Andriolo, A. Intervalos de referência no laboratório clínico. J Bras Patol Med Lab, v. 44, n. 1, p. 11-16, 2008.

Brunno Câmara Autor

Brunno Câmara - Biomédico, CRBM-GO 5596, habilitado em patologia clínica e hematologia. Docente do Ensino Superior. Especialista em Hematologia e Hemoterapia pelo programa de Residência Multiprofissional do Hospital das Clínicas - UFG (HC-UFG). Mestre em Biologia da Relação Parasito-Hospedeiro (imunologia, parasitologia e microbiologia / experiência com biologia molecular e virologia). Criador e administrador do blog Biomedicina Padrão. Criador e integrante do podcast Biomedcast.
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