Alterações laboratoriais após acidentes com serpentes peçonhentas

Por Brunno Câmara - sexta-feira, junho 21, 2019

Antes de continuar a leitura do texto, quero te convidar para conhecer meus cursos:

Continue agora com a sua leitura do texto. Espero que goste.


No Brasil, há registro de 381 espécies de serpentes. Desse total, apenas 61 (16%) são consideradas peçonhentas.

As espécies de serpentes peçonhentas de importância clínica compõem as famílias Viperidae (jararacas, cascavéis e surucucu) e Elapidae (corais verdadeiras).


Família Viperidae

Jararaca (gênero Bothrops)

Mecanismo de ação

O veneno é constituído por proteínas e enzimas, como metaloproteinases, serinoproteases e fosfolipases. As frações não proteicas são compostas por carboidratos, lipídios, metais, aminas biogênicas, nucleotídeos e aminoácidos livres.

As três atividades fisiopatológicas dos venenos são: proteolítica, coagulante e hemorrágica.

  • Proteolítica - inflamação aguda local; participa também da coagulação e formação de trombos na microvasculatura;
  • Coagulante - ativação de fatores da coagulação; consumo de fibrinogênio e formação de fibrina intravascular. Agregação plaquetária pode ocorrer, levando à trombocitopenia.
  • Hemorrágica - devido a hemorraginas (metaloproteinases que contêm zinco). Rompem a integridade do endotélio e inibem a agregação plaquetária.

Exames laboratoriais

  • Tempo de coagulação (TC): prolongado ou incoagulável.
  • Tempo de protrombina (TP ou TAP): prolongado.
  • Tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA): prolongado.
  • Tempo de trombina (TT): prolongado.
  • D-dímero: positivo/aumentado.

Hemograma: anemia discreta, leucocitose com neutrofilia e trombocitopenia (fase inicial).

Bioquímica: ureia, creatinina e eletrólitos podem estar alterados se o paciente tiver comprometimento renal. CPK, TGO e DHL podem estar elevados, dependendo da espécie que causou o acidente.

Cascavel (gênero Crotalus)

Mecanismo de ação

O veneno é uma mistura de proteínas e polipeptídeos. As atividades são principalmente hemolíticas e neurotóxicas. A ação hemolítica do veneno foi demonstrada somente in vitro.

Várias neurotoxinas já foram identificadas no veneno, como giroxina, crotamina e convulxina. Dessas, a crotoxina é a que possui maior atividade neurotóxica. Ela atua nas terminações nervosas motoras, inibindo a liberação de acetilcolina.

Em cerca 40% dos pacientes o TC pode estar prolongado devido a atividade trombínica (consumo de fibrinogênio), semelhante à do gênero Bothrops.

Exames laboratoriais

Usando a técnica de ELISA pode-se dosar a quantidade de veneno circulante.

Hemograma: leucocitose discreta, com neutrofilia e desvio à esquerda. Plaquetas em quantidade normal, porém podem apresentar alteração na agregação.

Coagulação: TC prolongado, TAP e TTPA alterados e fibrinogênio diminuído.

Bioquímica: enzimas CPK, TGO, TGP e DHL estão elevadas (enzimas do tecido muscular). ureia, creatinina e eletrólitos podem estar alterados se o paciente tiver comprometimento renal.

Urina: pode-se encontrar mioglobinúria e proteinúria.

Surucucu (gênero Lachesis)

Mecanismo de ação

O veneno apresenta atividade semelhante à do veneno do gênero Bothrops, com adição de atividade neurotóxica. Ele ativa trombina e plasminogênio. Possui metaloproteinases e fosfolipase A2.

Exames laboratoriais

  • TC: prolongado ou incoagulável.
  • TP ou TAP: prolongado.
  • TTPA: prolongado.
  • D-dímero: positivo/aumentado.
  • Alfa-2-antiplasmina: diminuída.

Hemograma: leucocitose com neutrofilia.

Bioquímica: ureia, creatinina podem estar alterados se o paciente tiver comprometimento renal.

Urina: pode-se encontrar hematúria.

Família Elapidae

Cobras corais verdadeiras

Mecanismo de ação

Ação neurotóxica - as neurotoxinas são proteínas básicas de baixo peso molecular e se difundem pelo tecido de forma rápida.

São neurotoxinas pós-sinápticas, com afinidade pelos sítios receptores de acetilcolina na placa motora terminal.

Exames laboratoriais

Bioquímica: CPK elevada (ação miotóxica). Em pacientes com insuficiência respiratória aguda pode haver acidose metabólica.

Referência

MARTINS, M. A., et al. Clínica Médica. Manole, vol. 3, 2016.

Brunno Câmara Autor

Brunno Câmara - Biomédico, CRBM-GO 5596, habilitado em patologia clínica e hematologia. Docente do Ensino Superior. Especialista em Hematologia e Hemoterapia pelo programa de Residência Multiprofissional do Hospital das Clínicas - UFG (HC-UFG). Mestre em Biologia da Relação Parasito-Hospedeiro (imunologia, parasitologia e microbiologia / experiência com biologia molecular e virologia). Criador e administrador do blog Biomedicina Padrão. Criador e integrante do podcast Biomedcast.
| Contato: @biomedicinapadrao |