Tudo o que um biomédico precisa saber sobre a Proteína C

Por Brunno Câmara - sexta-feira, janeiro 29, 2021

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A Proteína C ativada (PCA) tem um papel importante na regulação da anticoagulação, inflamação e morte celular.

Ela atua como um anticoagulante "sob demanda", reduzindo a formação de trombina.

Neste post, você irá conhecer detalhadamente essa proteína importante na hemostasia.

Nomenclatura

A proteína C (PC), originalmente chamada de autoprotrombina IIa, foi descoberta em 1960 e isolada pela primeira vez em 1976.

Recebeu esse nome por ser o terceiro pico de proteína ("pico C") observado num experimento cromatográfico para purificação de proteínas plasmáticas dependentes de Vitamina K.

Proteína C: a precursora da PCA

Antes de ser ativada, a encontramos no plasma sanguíneo como PC, que é uma proenzima (também denominada zimogênio).

Um zimogênio é um precursor inativo de uma enzima que precisa sofrer alguma modificação bioquímica (como a hidrólise) para se tornar uma enzima ativa.

Ou seja, a PC é uma proenzima/zimogênio e a PCA é a enzima em sua forma ativa, pronta para fazer seu papel bioquímico.

A PC é uma glicoproteína dependente da Vitamina K, assim como os fatores VII, IX, X e protrombina.

Sua síntese ocorre no fígado, com concentração plasmática de 4 μg/mL e meia-vida de 6 a 8 horas.

Ela é um polipeptídeo composto por suas cadeias, uma leve e outra pesada, conectadas por uma ponte dissulfeto.

Dependência da Vitamina K

Para a PC se tornar uma glicoproteína madura precisa passar por um processo de γ-carboxilação.

Para essa reação são necessários oxigênio, dióxido de carbono e a forma reduzida da Vitamina K.

A Vitamina K reduzida atua como um cofator para a enzima γ-glutamil carboxilase, responsável pela carboxilação de resíduos de ácido glutâmico (Glu) presentes na PC.

Como resultado dessa reação, é formado o ácido γ-carboxiglutâmico (Gla), tornando a PC uma proteína biologicamente madura, pronta para ser ativada.

Ativação da Proteína C

A ativação da PC ocorre na superfície das células endoteliais e depende da ação proteolítica da trombina.

Para isso, ocorre a formação de um complexo composto por PC, trombomodulina, trombina e o receptor de PC nas células endoteliais (EPCR).

Após a clivagem, o peptídeo ativado é liberado dando origem à PCA.

Função da Proteína C ativada

A PCA é composta por uma cadeia leve contendo os domínios Gla e EGF ligada por uma ponte dissulfeto a uma cadeia pesada com atividade catalítica.

Ela é classificada como uma serina protease, que são enzimas que clivam ligações peptídicas em proteínas. Nessas enzimas, a serina serve como o aminoácido nucleofílico (doa um par de elétrons) no sítio ativo da enzima.

A PCA possui duas funções principais: anticoagulação e citoproteção.

O que determina qual a função ela exercerá depende se, após sua ativação, ela permanece ligada ao EPCR nas células endoteliais ou é liberada do receptor.

  • Anticoagulação: PCA é liberada do receptor
  • Citoproteção: PCA permanece ligada ao receptor


Função anticoagulante

Para exercer sua função anticoagulante precisa de cofatores, como a Proteína S, lipoproteínas de alta densidade e fosfolipídeos. 

Quando junto a seus cofatores, a PCA proteoliticamente inativa os fatores Va (V ativado) e VIIIa (VIII ativado) de maneira dependente de cálcio e membrana.

Com a inativação desses dois fatores, a formação de trombina diminui, prevenindo a coagulação e potencialmente a trombose.

Função citoprotetora

A PCA também tem papel importante na prevenção de danos vasculares e estresse.

Isso inclui: atividade antiapoptótica, atividade anti-inflamatória, alterações de perfis de expressão gênica e estabilização da barreira endotelial.

Esses efeitos citoprotetores requerem o EPCR e o receptor ativado por protease do tipo 1 (PAR-1).

Quando ligada ao EPCR, a PCA pode ativar o PAR-1 e inibir a hipóxia, hipoglicemia ou apoptose em vários tipos de células endoteliais.

Além disso, ela também tem efeitos citoprotetores no cérebro, coração e rins.

Importância clínica

Crianças com deficiência hereditária de PC, em homozigose, têm complicações trombóticas que geralmente são letais.

Adultos heterozigotos para a deficiência de PC têm risco elevado para trombose venosa.

Existem dois tipos de deficiência de PC hereditária heterozigótica:

  • Tipo I: diminuição da função e da quantidade
  • Tipo II: diminuição da função com níveis normais da proteína

Outro problema está na resistência à PCA, que é uma ausência de resposta à Proteína C ativada.

O exemplo mais comum é a presença do Fator V Leiden, uma mutação com troca de aminoácidos do Fator V, chamada de R506Q.

A PCA não consegue reconhecer esse Fator V modificado e, consequentemente, não consegue inativá-lo.

O resultado é um estado de hipercoagulabilidade e risco aumentado de eventos trombóticos.

Aspectos laboratoriais

A amostra para a avalição da Proteína C é plasma citratado. É desejável que o paciente não esteja usando anticoagulante oral por pelo menos 2 semanas e heparina por 48 horas.

A proteína C é extremamente termossensível.

Os principais métodos são coagulométricos, cromogênicos e imunoensaio enzimático.

Existem ensaios antigênicos, que determinam a quantidade da proteína, e ensaios funcionais, que determinam a atividade enzimática da proteína.

Os ensaios funcionais identificam deficiências quantitativas e qualitativas.

Os ensaios antigênicos só devem ser realizados se o ensaio funcional estiver diminuído, para que se defina precisamente o tipo da deficiência.

A atividade da PC pode variar normalmente entre 70 e 150%.

Causas de deficiências adquiridas de PC:

  • Doenças hepáticas
  • Terapia com anticoagulante oral
  • Coagulação intravascular disseminada (CIVD)
  • Deficiência de vitamina K
  • Choque séptico e infecções bacterianas e virais graves
  • Uso de drogas antineoplásicas
  • Insuficiência renal crônica
Recém-nascido a termo ou prematuros sadios podem apresentar níveis diminuídos que devem atingir o nível normal na infância ou adolescência.

Geralmente, a dosagem de PC faz parte de um conjunto de exames para a investigação de trombofilia que pode abranger os seguintes testes:

  • Pesquisa do fator V Leiden
  • Pesquisa da mutação G20210A do gene da protrombina
  • Dosagem de homocisteína
  • Dosagem funcional de antitrombina
  • Dosagem imunológica de proteína S livre
  • Pesquisa de anticorpos antifosfolípides

Referências

Williams Hematology, 9ª edição.

Laboratório Hermes Pardini.

Laboratório Fleury.

Oto, Julia et al. “Activated protein C assays: A review.” Clinica chimica acta; international journal of clinical chemistry vol. 502 (2020): 227-232. doi:10.1016/j.cca.2019.11.005

Shahzad, Khurrum et al. “Cell biology of activated protein C.” Current opinion in hematology vol. 26,1 (2019): 41-50. doi:10.1097/MOH.0000000000000473

Griffin, J H et al. “Activated protein C.” Journal of thrombosis and haemostasis : JTH vol. 5 Suppl 1 (2007): 73-80. doi:10.1111/j.1538-7836.2007.02491.x

Brunno Câmara Autor

Brunno Câmara - Biomédico, CRBM-GO 5596, habilitado em patologia clínica e hematologia. Docente do Ensino Superior. Especialista em Hematologia e Hemoterapia pelo programa de Residência Multiprofissional do Hospital das Clínicas - UFG (HC-UFG). Mestre em Biologia da Relação Parasito-Hospedeiro (imunologia, parasitologia e microbiologia / experiência com biologia molecular e virologia). Criador e administrador do blog Biomedicina Padrão. Criador e integrante do podcast Biomedcast.
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