Saiba mais sobre a Anemia falciforme

Por Brunno Câmara - sexta-feira, fevereiro 19, 2016

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Doença falciforme (DF) é um termo genérico que engloba um grupo de anemias hemolíticas crônicas hereditárias, dentre elas a anemia falciforme. São caracterizadas por defeito na molécula de hemoglobina, apresentando homozigose ou dupla heterozigose da hemoglobina S (HbS).

A Anemia Falciforme (AF) é a forma homozigótica da Hemoglobina S (HbSS). Existe ainda o traço falciforme, em que o indivíduo é clinicamente normal, mas apresenta hemoglobinas A e S. Resultam de uma mutação no sexto códon do gene da betaglobina, no cromossomo 11, com substituição da adenina pela timina, gerando o aminoácido valina em vez de ácido glutâmico.

Os eritrócitos produzidos não conseguem exercer sua função corretamente, ficando com formato anormal, conhecidamente denominados drepanócitos, ou hemácias em forma de foice. Como não são normais, essas células são removidas precocemente da circulação e destruídas.

A AF é a doença hereditária de maior prevalência no Brasil, devido à intensa miscigenação existente no país, afetando cerca de 0,1% a 0,3% da população afro-descendente.

Acredita-se que a maior prevalência da doença no continente Africano seja em decorrência da vantagem adaptativa que a mutação genética proporciona, visto que os protozoários da malária (Plasmodium sp.) não conseguem parasitar os drepanócitos.

Fisiopatologia

A hemoglobina é uma proteína responsável pelo transporte de gases sanguíneos. É um tetrâmero de quatro proteínas, composto por duas cadeias alfa-globinas e duas cadeias beta-globinas. Cada globina é associada a um grupo heme.

As alfa-globinas e beta-globinas são codificadas por genes em diferentes cromossomos. A mutação que leva à produção de HbS é uma substituição de um nucleotídeo no sexto códon do gene da beta-globina, o que gera uma proteína com resíduo de valina hidrofóbica, em vez de ácido glutâmico hidrofílico, com tendência a polimerização e desoxigenação.


Drepanócito

A polimerização da HbS dentro dos eritrócitos é a base de toda a fisiopatologia da AF. Enquanto essas células passam pelos vasos sanguíneos, submetidas a ciclos de oxigenação e desoxigenação, polímeros rígidos de HbS se formam repetidamente e danificam suas membranas, diminuindo drasticamente o tempo de vida desses eritrócitos.

Além disso, eles ficam desidratados e inflexíveis, consequentemente, tendem a aderir ao endotélio dos vasos, em conjunto com leucócitos e plaquetas, impedindo o fluxo sanguíneo. Essa obstrução vascular, conhecida como vaso-oclusão, leva à isquemia e infartos, causando danos a múltiplos órgãos e tecidos. Os pacientes com mais eritrócitos irreversivelmente falcizados e de células densas têm mais hemólise e mais anemia.

A hemólise é principalmente extravascular, decorrente da fagocitose dos eritrócitos deformados pelas células do sistema reticuloendotelial. Uma parte é destruída intravascularmente, liberando hemoglobina em excesso na circulação. Essa hemoglobina livre inativa o óxido nítrico (NO) causando vasoconstrição e inflamação.

Diagnóstico

No diagnóstico clínico e laboratorial, salienta-se que os indivíduos heterozigotos (HbAS) são saudáveis, não apresentando em geral anemia e muito menos drepanócitos na distensão sanguínea.

O diagnóstico da anemia falciforme é feito principalmente a partir de técnicas eletroforéticas, hemograma e dosagens da hemoglobina fetal. Os testes de falcização, bem como o teste de solubilidade e triagem neonatal, são também importantes na detecção da HbS.

No hemograma são avaliados o leucograma, eritrograma e plaquetograma, sendo que pacientes com anemia falciforme possuem valores baixos de hemoglobina e índices hematimétricos. Na observação do esfregaço sanguíneo, observa-se a presença de hemácias em formato de foice, sendo denominado drepanocitose.

O teste de falcização, chamado também de teste de hemoglobina S, é comumente utilizado para detectar células falciformes. Esse teste permite fazer uma avaliação quantitativa que verifica a presença ou ausência de HbS a partir de um meio com pouco oxigênio, mediante aplicação de substâncias redutoras num microambiente formado entre uma lâmina e lamínula.


Eletroforese de hemoglobinas de paciente com Anemia Falciforme

A eletroforese é uma técnica importante para detecção da HbS, mediante migração de moléculas com carga, numa solução, em função da aplicação de campo elétrico. Normalmente, existem os seguintes tipos de hemoglobinas: Hemoglobina Fetal (HbF), formada por duas cadeias alfa e duas cadeias gama; Hemoglobina A2 (HbA2), duas cadeias alfa e duas cadeias delta e Hemoglobina A (HbA), formada por duas cadeias alfa e duas cadeias beta. A eletroforese permite detectar a HbS em acetato de celulose em pH alcalino.

Manifestações clínicas

Os primeiros meses de vida dos pacientes afetados são assintomáticos devido a grande quantidade de HbF presente, o que inibe a polimerização da HbS. Quando os níveis de HbF declinam após os primeiros meses, há o aumento da HbS em vez da HbA normal. Esse período assintomático geralmente dura cerca de três meses, permitindo com que os recém-nascidos passem por triagens e intervenções precoces sejam realizadas.

Fenômenos vaso-oclusivos e suas complicações, afetando múltiplos órgãos, assim como anemia hemolítica crônica são predominantes nos pacientem com AF.

Crises dolorosas, síndrome torácica aguda, AVE, crise aplástica, sequestro esplênico e priaprismo, estão entre os eventos agudos da doença. Já nas complicações crônicas têm-se úlceras de perna, acometimento renal, hipertensão pulmonar, necrose isquêmica, retinopatia, sobrecarga de ferro em pacientes politransfundidos, insuficiência cardíaca congestiva e osteomielite.

As infecções são a principal causa de morte em crianças com AF. O risco de infecções por Streptococcus pneumoniae ou Haemophilus influenzae chega a ser 600 vezes maior do que em crianças sem a doença.

Todas as formas de DF podem apresentar esse quadro clínico, porém dependendo dos diferentes genótipos, a gravidade clínica varia. Os genótipos associados com maior gravidade clínica são os pacientes com AF (homozigóticos para HbS).

Muitas dessas complicações são sérias e algumas trazem risco de morte, e podem ter impacto no bem estar psicológico e na qualidade de vida dos pacientes e seus familiares.

Embora exista tratamento, é uma doença incurável, sendo assim, os pacientes devem receber atenção do ponto de vista clínico, genético e psicossocial.

MARTINS, M. A., et al. Clínica Médica. Manole, vol. 3, 2009.

FIGUEIREDO, A. K. B.; SANTOS, F. A. V; SOARES E SÁ, L. H; SOUSA, N. D. L. Anemia falciforme: abordagem diagnóstica laboratorial. Rev. Ciênc. Saúde Nova Esperança – Jun. 2014;12(1):96-103.

YANAGUIZAWA, M. et al. Diagnóstico por imagem na avaliação da anemia falciforme. Rev. Bras. Reumatol., 2008, vol.48, n.2, pp. 102-105. ISSN 0482-5004.

Imagem: National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI)

Brunno Câmara Autor

Brunno Câmara - Biomédico, CRBM-GO 5596, habilitado em patologia clínica e hematologia. Docente do Ensino Superior. Especialista em Hematologia e Hemoterapia pelo programa de Residência Multiprofissional do Hospital das Clínicas - UFG (HC-UFG). Mestre em Biologia da Relação Parasito-Hospedeiro (imunologia, parasitologia e microbiologia / experiência com biologia molecular e virologia). Criador e administrador do blog Biomedicina Padrão. Criador e integrante do podcast Biomedcast.
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