A COVID-19 não é uma doença hematológica
Por Brunno Câmara - terça-feira, abril 14, 2020
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Continue agora com a sua leitura do texto. Espero que goste.
Um artigo preliminar colocado no site ChemRxiv ¹ tem chamado atenção por afirmar que o SARS-CoV-2 inibe o metabolismo do heme humano.
Com base nisso, algumas pessoas estão espalhando por aí que a COVID-19 é um "doença hematológica". E, provavelmente, não leram o artigo original.
Mas temos que ser críticos e analisar detalhadamente esse trabalho.
Onde o artigo está?
O ChemRxiv ("arquivo de química") é um serviço para que pesquisadores submetam e distribuam artigos não publicados em química e áreas relacionadas.O objetivo é compartilhar resultados preliminares com outros pesquisadores para receber comentários e melhorar o trabalho feito, para que então ele seja submetido a uma revista científica com peer-review (revisão pelos pares).
Com isso, temos que ter muita cautela ao ler e interpretar os textos que ali se encontram.
Quem são os autores?
Outro aspecto que temos que ficar atentos é a autoria do trabalho.Um trabalho de peso e confiável tem muitos autores, pois para chegar nos resultados são necessários muitas cabeças e braços fazendo experimentos, tendo ideias e escrevendo o texto.
O artigo em questão tem apenas dois autores chineses, que estão afiliados à Faculdade de Engenharia e Ciência da Computação e Faculdade de Ciências da Vida e Engenharia Alimentar.
Isso não tira totalmente o crédito do trabalho, mas me deixa com o pé atrás.
Nenhum pesquisador das áreas biológicas (virologia) e médicas (hematologia) participou do projeto.
Qual a metodologia utilizada?
O trabalho todo é baseado em análises de bioinformática.Não foram realizados experimentos com amostras de pacientes saudáveis e com COVID-19.
Eles acessaram sequências e criaram modelos das proteínas humanas e virais para fazer predições e detectar homologias.
Doença hematológica?
Se o SARS-CoV-2 realmente acometesse a hemoglobina, o estrago que estamos vendo seria muitas vezes maior e pior.Temos que lembrar que as hemácias são as estruturas celulares em maior abundância no sangue humano e que dentro de cada hemácia há milhões de moléculas de hemoglobina.
Para o vírus comprometer a hemoglobina, ele deveria infectar hemácias e se multiplicar dentro delas, produzindo as proteínas que supostamente retirariam o ferro do heme.
Como o vírus se multiplicaria num corpúsculo que não contém mitocôndria, retículo endoplasmático, e que não sintetiza mais proteínas?
Os autores argumentam que o vírus "infecta" a hemoglobina após a hemólise. Ora, a hemólise já é o problema então.
Até o momento não li artigos que relatam hemólise em pacientes com COVID-19.
Eles também afirmam que por causa da maior quantidade de hemoglobina no homem (fisiológico) explicaria a maior taxa de infecção de homens.
O que já se sabe, na verdade, é que homens têm mais ECA2 nas células do pulmão, o que eleva o risco de infecção pelo vírus ².
Conclusão
É um bom começo, mas há muito o que ser investigado antes que qualquer afirmação possa ser feita nesse sentido.Com base no que sabemos hoje, não podemos afirmar que a COVID-19 seja uma doença hematológica.
Referências
1. Liu w, Li h. COVID-19: Attacks the 1-Beta Chain of Hemoglobin and Captures the Porphyrin to Inhibit Human Heme Metabolism. ChemRxiv, 2020.2. Sun P, Lu X, Xu C, Sun W, Pan B. Understanding of COVID-19 based on current evidence. J Med Virol. 2020. doi:10.1002/jmv.25722