Hepcidina: a chave para a regulação do ferro
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A hepcidina é um peptídeo (hormônio), que nos humanos é codificado pelo gene HAMP (19q13.12).
Ela é uma reguladora primordial da entrada de ferro na circulação sanguínea.
Sua descoberta é relativamente recente. Foi descrita, em 2000, como um peptídeo antimicrobiano expresso pelo fígado.
Produção
A hepcidina é produzida primariamente pelos hepatócitos que estão estrategicamente localizados nas proximidades da veia porta (por onde o ferro da dieta passa) e pelas células de Kupffer.
Essas células são macrófagos residentes do fígado e têm papel crítico na manutenção das funções hepáticas. Sob condições fisiológicas, são a primeira resposta imune inata e protegem o fígado de infecções bacterianas.
Em pequenas quantidades, a hepcidina também é produzida por outros macrófagos e adipócitos.
Estrutura
A hepcidina é codificada pelo gene HAMP (hepcidin antimicrobial peptide), localizado no braço longo do cromossomo 19.
Inicialmente, ela é sintetizada como pré-pró-hepcidina contendo 84 aminoácidos. Depois é processada em pró-hepcidina, contendo 60 aminoácidos. Por fim, é clivada para a produção do peptídeo maduro ativo, contendo 25 aminoácidos.

A hepcidina é um peptídeo firmemente dobrado formando uma estrutura em formato de grampo (hairpin) estabilizada por quatro pontes dissulfeto.
Mutações no gene HAMP estão associadas a sobrecarga de ferro grave e hemocromatose.
Regulação
A expressão de hepcidina aumenta na sobrecarga de ferro e em processos inflamatórios e diminui na deficiência de ferro e na hipóxia.
A sua transcrição é regulada pela proteína morfogênica óssea (BMP), e seu correceptor hemojuvelina (HJV), no fígado.
A transdução de sinais, para o aumento de expressão, acontece por meio das vias JAK/STAT (inflamação) e BMP/SMAD (ferro).
Fator de necrose tumoral (TNF), patógenos e interleucina 6 (IL-6) estimulam a síntese de hepcidina.
Os mecanismos de eliminação da hepcidina são: internalização com degradação da molécula e excreção renal.
Funções
A hepcidina-25 (25 aminoácidos) tem atividade regulatória de ferro e também antimicrobiana.
Regulação do ferro
A absorção intestinal de ferro e sua disponibilidade no plasma são regulados pela hepcidina.
Ela se liga na ferroportina, uma proteína transmembrana, e causa sua degradação.
A ferroportina é a única maneira que o ferro tem para sair das células e entrar no plasma. Ou seja, sem a ferroportina o ferro fica preso dentro das células.
A consequência da degradação da ferroportina pela hepcidina é a inibição da liberação de ferro dos enterócitos (intestino), macrófagos e hepatócitos.

Em outras palavras, mesmo o ferro estando presente nas células, o organismo não consegue utilizá-lo (depleção do pool de ferro plasmático).
Mas em que situações essa regulação do ferro é importante?
Quando o corpo está com excesso de ferro e não precisa de mais. Nesse caso, principalmente a absorção intestinal de ferro é inibida pela hepcidina.
Quando há inflamação/infecção com produção de citocinas como TNF e IL-6. Nesse caso, o organismo quer preservar o estoque de ferro intracelular e diminuir a disponibilidade do ferro plasmático. É um mecanismo de defesa.
O que nos leva para a segunda grande função da hepcidina.
Atividade antimicrobiana
O crescimento e a patogenicidade de muitos micro-organismos requerem a presença do ferro.
A redução da concentração do ferro extracelular é um mecanismo evolutivo desenvolvido para proteger o organismo contras essas infecções.
O ferro ligado a proteínas (ferritina, transferrina, lactoferrina etc.) fica indisponível para utilização pelos micro-organismos dependentes de ferro.
Junto a isso, a degradação da ferroportina pela hepcidina diminui os níveis de ferro plasmático para ajudar na defesa.

Informações laboratoriais
Amostra: soro (estável por até 24 horas refrigerada entre 2°C e 8°C ou por até 7 dias congelada).
Valores de referência: 0,30 a 47,70 ng/mL (Ensaio imunoenzimático / Laboratório DB)
Obs.: a hepcidina tem uma variação biológica em relação ao sexo (mulheres tem menores níveis que homens) e uma variação diurna (menores níveis de manhã e maiores à tarde).
Interpretação:
Níveis aumentados: anemia de doença crônica, doença renal crônica, hemocromatose hereditária do adulto, inflamação/infecção, câncer, sobrecarga de ferro secundária (ex.: transfusão)
Níveis diminuídos: deficiência de ferro, β-talassemia, hipóxia, hemocromatose hereditária juvenil
Significado e implicações clínicas
A hepcidina pode ser considerada uma proteína de fase aguda.
A desregulação da ferroportina está associada com aumento da absorção de ferro, resultando em quantidades excessivas de ferro sistêmico livre e uso excessivo de ferro pelos tecidos, o que causa dano tecidual.
A produção insuficiente de hepcidina, devido a mutações no gene, está associada ao acúmulo de ferro na hemocromatose hereditária.
A β-talassemia está associada com aumento da absorção de ferro da dieta, que está ligado com a presença de supressores da hepcidina.
A hepcidina circula no sangue ligada a outras proteínas, mas com pouca afinidade. Isso leva a presença de hepcidina livre que é filtrada nos rins e degradada no túbulo proximal.
Níveis de hepcidina são elevados em pacientes em hemodiálise, o que pode agravar o sequestro de ferro. Após a hemodiálise seus níveis diminuem significativamente.
O aumento da expressão de hepcidina pode resultar em anemia por restrição de ferro, como no caso de adenomas hepáticos produtores de hepcidina ou anemia por deficiência de ferro refratária a ferro familiar.
Referência
Agarwal AK, Yee J. Hepcidin. Adv Chronic Kidney Dis. 2019 Jul;26(4):298-305. doi: 10.1053/j.ackd.2019.04.005. PMID: 31477260.