Hepcidina: a chave para a regulação do ferro

Por Brunno Câmara - quarta-feira, outubro 26, 2022

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A hepcidina é um peptídeo (hormônio), que nos humanos é codificado pelo gene HAMP (19q13.12). 

Ela é uma reguladora primordial da entrada de ferro na circulação sanguínea.

Sua descoberta é relativamente recente. Foi descrita, em 2000, como um peptídeo antimicrobiano expresso pelo fígado.

Produção

A hepcidina é produzida primariamente pelos hepatócitos que estão estrategicamente localizados nas proximidades da veia porta (por onde o ferro da dieta passa) e pelas células de Kupffer.

Essas células são macrófagos residentes do fígado e têm papel crítico na manutenção das funções hepáticas. Sob condições fisiológicas, são a primeira resposta imune inata e protegem o fígado de infecções bacterianas.

Em pequenas quantidades, a hepcidina também é produzida por outros macrófagos e adipócitos.

Estrutura

A hepcidina é codificada pelo gene HAMP (hepcidin antimicrobial peptide), localizado no braço longo do cromossomo 19.

Inicialmente, ela é sintetizada como pré-pró-hepcidina contendo 84 aminoácidos. Depois é processada em pró-hepcidina, contendo 60 aminoácidos. Por fim, é clivada para a produção do peptídeo maduro ativo, contendo 25 aminoácidos.

A hepcidina é um peptídeo firmemente dobrado formando uma estrutura em formato de grampo (hairpin) estabilizada por quatro pontes dissulfeto.

Mutações no gene HAMP estão associadas a sobrecarga de ferro grave e hemocromatose.

Regulação

A expressão de hepcidina aumenta na sobrecarga de ferro e em processos inflamatórios e diminui na deficiência de ferro e na hipóxia.

A sua transcrição é regulada pela proteína morfogênica óssea (BMP), e seu correceptor hemojuvelina (HJV), no fígado.

A transdução de sinais, para o aumento de expressão, acontece por meio das vias JAK/STAT (inflamação) e BMP/SMAD (ferro).

Fator de necrose tumoral (TNF), patógenos e interleucina 6 (IL-6) estimulam a síntese de hepcidina.

Os mecanismos de eliminação da hepcidina são: internalização com degradação da molécula e excreção renal.

Funções

A hepcidina-25 (25 aminoácidos) tem atividade regulatória de ferro e também antimicrobiana.

Regulação do ferro

A absorção intestinal de ferro e sua disponibilidade no plasma são regulados pela hepcidina.

Ela se liga na ferroportina, uma proteína transmembrana, e causa sua degradação. 

A ferroportina é a única maneira que o ferro tem para sair das células e entrar no plasma. Ou seja, sem a ferroportina o ferro fica preso dentro das células.

A consequência da degradação da ferroportina pela hepcidina é a inibição da liberação de ferro dos enterócitos (intestino), macrófagos e hepatócitos.

Em outras palavras, mesmo o ferro estando presente nas células, o organismo não consegue utilizá-lo (depleção do pool de ferro plasmático).

Mas em que situações essa regulação do ferro é importante?

Quando o corpo está com excesso de ferro e não precisa de mais. Nesse caso, principalmente a absorção intestinal de ferro é inibida pela hepcidina.

Quando há inflamação/infecção com produção de citocinas como TNF e IL-6. Nesse caso, o organismo quer preservar o estoque de ferro intracelular e diminuir a disponibilidade do ferro plasmático. É um mecanismo de defesa.

O que nos leva para a segunda grande função da hepcidina.

Atividade antimicrobiana

O crescimento e a patogenicidade de muitos micro-organismos requerem a presença do ferro.

A redução da concentração do ferro extracelular é um mecanismo evolutivo desenvolvido para proteger o organismo contras essas infecções.

O ferro ligado a proteínas (ferritina, transferrina, lactoferrina etc.) fica indisponível para utilização pelos micro-organismos dependentes de ferro.

Junto a isso, a degradação da ferroportina pela hepcidina diminui os níveis de ferro plasmático para ajudar na defesa.

Informações laboratoriais

Amostra: soro (estável por até 24 horas refrigerada entre 2°C e 8°C ou por até 7 dias congelada).

Valores de referência: 0,30 a 47,70 ng/mL (Ensaio imunoenzimático / Laboratório DB)

Obs.: a hepcidina tem uma variação biológica em relação ao sexo (mulheres tem menores níveis que homens) e uma variação diurna (menores níveis de manhã e maiores à tarde).

Interpretação:

Níveis aumentados: anemia de doença crônica, doença renal crônica, hemocromatose hereditária do adulto, inflamação/infecção, câncer, sobrecarga de ferro secundária (ex.: transfusão)

Níveis diminuídos: deficiência de ferro, β-talassemia, hipóxia, hemocromatose hereditária juvenil

Significado e implicações clínicas

A hepcidina pode ser considerada uma proteína de fase aguda.

A desregulação da ferroportina está associada com aumento da absorção de ferro, resultando em quantidades excessivas de ferro sistêmico livre e uso excessivo de ferro pelos tecidos, o que causa dano tecidual.

A produção insuficiente de hepcidina, devido a mutações no gene, está associada ao acúmulo de ferro na hemocromatose hereditária.

A β-talassemia está associada com aumento da absorção de ferro da dieta, que está ligado com a presença de supressores da hepcidina.

A hepcidina circula no sangue ligada a outras proteínas, mas com pouca afinidade. Isso leva a presença de hepcidina livre que é filtrada nos rins e degradada no túbulo proximal.

Níveis de hepcidina são elevados em pacientes em hemodiálise, o que pode agravar o sequestro de ferro. Após a hemodiálise seus níveis diminuem significativamente.

O aumento da expressão de hepcidina pode resultar em anemia por restrição de ferro, como no caso de adenomas hepáticos produtores de hepcidina ou anemia por deficiência de ferro refratária a ferro familiar.

Referência

Agarwal AK, Yee J. Hepcidin. Adv Chronic Kidney Dis. 2019 Jul;26(4):298-305. doi: 10.1053/j.ackd.2019.04.005. PMID: 31477260.

Brunno Câmara Autor

Brunno Câmara - Biomédico, CRBM-GO 5596, habilitado em patologia clínica e hematologia. Docente do Ensino Superior. Especialista em Hematologia e Hemoterapia pelo programa de Residência Multiprofissional do Hospital das Clínicas - UFG (HC-UFG). Mestre em Biologia da Relação Parasito-Hospedeiro (imunologia, parasitologia e microbiologia / experiência com biologia molecular e virologia). Criador e administrador do blog Biomedicina Padrão. Criador e integrante do podcast Biomedcast.
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